Padre Cícero era dono de um magnetismo pessoal extraordinário. Sendo ele próprio um sertanejo, sabia falar a língua do povo e tocar a alma de seus fiéis de forma singular, com absoluta sensibilidade e conhecimento de causa. Era um homem contraditório, com qualidades e defeitos, mas que foi condenado pela Igreja após um processo eclesiástico eivado de flagrantes etnocentrismos. As autoridades do Clero não queriam admitir a hipótese de um milagre eucarístico, a suposta transformação da hóstia em sangue na boca da beata Maria de Araújo, ter ocorrido no sertão do Ceará, entre uma gente simples, cabocla, sem instrução. Enquanto outros presumidos milagres eucarísticos ocorridos na Europa foram validados pela Santa Sé, os acusadores de Padre Cicero declararam-no culpado antes mesmo da investigação.
https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/2022/08/20/lira-neto-sobre-possivel-beatificacao-de-padre-cicero-o-tempo-do-vaticano-e-diferente-do-tempo-leigo.html
De acordo com o autor a condenação e suspensão de ordem do Padre Cícero estaria ligada à
contrarreforma, reordenamento da formação eclesial pautado pelo Código do Direito Canônico que passou a combater o personalismo clerical.
eurocentrismo cristão, processo etnocêntrico e racialista que buscava construir um clero elitista e erudito e negar qualquer expressão de religiosidade não canônica.
restauracionismo monástico, retomada do monasticismo tridentino que condenava a presença de figuras populares no clero e a ligação direta com o povo.
romanização, processo católico marcado pela reorganização centralizadora da igreja em torno da Cúria Romana e pelo eurocentrismo nos ritos e práticas.
latinização, quando as missas passaram a ser em latim que não era dominado por membros populares do clero como o padre Cícero.