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Texto 1Hoje não, amanhã!Margot Cardoso1 _____ Finalmente escrevo sobre um tema que eu d...

Questão 12

Texto 1



Hoje não, amanhã!


Margot Cardoso


1 _____ Finalmente escrevo sobre um tema que eu domino completamente: a procrastinação. Sou detentora de

recordes olímpicos nessa modalidade. Inclusive, há muito tempo procrastino pensar sobre a procrastinação —

inclusive tenho procrastinado a escrever sobre o assunto. E, agora mesmo — antes de iniciar este parágrafo —

estive à deriva na internet. Já percorri as salas virtuais do Museu Rodin, em Paris; vi como estava o tempo em

5 Bruxelas, vi a agenda de hoje do Parlamento europeu, admirei a última coleção da Miu Miu, visualizei a página da

BBC News e observei os gráficos das temperaturas médias do ar no planeta. E, em meio a isso tudo, reli trechos do

livro Os Filósofos e o Amor — que acabei de ler e passei os olhos sobre o prólogo do livro que comprei ontem A

Sociedade Paliativa, de Byung-Chul Han.

E como se não bastassem todas essas distrações, quando começo a pensar no ato de procrastinar, ainda

10 divago e penso que a questão realmente importante é: por que razão uma pessoa tem de escolher viver uma vida se

pode passá-la obsessivamente a clicar em diversas outras vidas possíveis? Veja o tamanho — e a criatividade — da

minha capacidade de procrastinar. E isso tudo porque a minha ideia era ter começado a escrever este texto ontem.

Apesar da palavra ser pouco usada na oralidade nossa de cada dia, todos sabemos do que se trata.

Procrastinar é adiar, postergar, enrolar, “empurrar com a barriga”, deixar para amanhã, perder o foco, ocupar-se de

15 outras coisas “menos importantes”. Humano, o ato de procrastinar está em nós desde o início dos tempos. O filósofo

Sêneca, um mentor para todas as horas, escreveu que, “enquanto desperdiçamos nosso tempo hesitando e adiando,

a vida se dissipa”. Muito antes dele, Hesíodo — a quem devemos o conhecimento mitológico da origem do mundo —

aconselhou, na obra Os Trabalhos e os Dias, “Não adies para amanhã, nem para depois de amanhã; celeiros não se

enchem por aqueles que postergam e dedicam seu tempo ao infrutífero”.

20 _____ Agora imagina que Hesíodo (650 a.C.) e Sêneca (4 a.C.) já denunciavam a procrastinação antes das

inúmeras distrações modernas, como a internet. E, claro, há muito mais procrastinadores hoje. Porque quanto mais

opções, mais demoramos para decidir por uma delas. Passamos a analisar cada escolha e o gasto de energia nessa

tarefa leva-nos à paralisia. Por qual caminho optar? E se esse for o caminho errado? E se eu me arrepender?

Incapaz de decidir, paralisamos, e eis que a procrastinação se materializa bem diante dos nossos olhos. Você sabe

25 do que se trata. Há uma semana, você experienciou esse processo. E agora, neste momento, sua mente está em

turbilhão. Você não tem certeza de que fez a escolha certa. Pensa que deveria ter optado pela escolha oposta. Você

imagina como estaria se tivesse optado pela opção três. Vê com clareza consequências nefastas da opção um (a

escolhida), está arrependido. Você tem a nítida impressão de que deveria ter esperado mais, isto é, ter

procrastinado. Agora é tarde demais para mudar de ideia. Porém, diante desse drama, há grandes chances de você

30 — de agora em diante, acovardado — ser mais procrastinador.

Porém, procrastinar pode ser tão doloroso quanto a nossa falta de talento para fazer escolhas e ações de

qualidade. Ela está entre as grandes barreiras para a satisfação de viver. É sabido que lamentamos mais do que não

fizemos do que fizemos. O arrependimento e a culpa podem nos perseguir até o fim da vida por aquilo que não

fizemos (ou não dissemos), muito mais do que aquilo que efetivamente fizemos.

35 _____ E por que isso é tão dramático? Ora, [...] não temos todo o tempo do mundo. À luz desse fato, o tempo é o

nosso bem mais precioso. Mais do que o dinheiro. Diferentemente do dinheiro, o tempo não se ganha, não se

compra. Por isso, sentimos culpa quando pensamos que estamos desperdiçando o nosso tempo. E daí todo o malestar

gerado pelo ato de procrastinar.

Que atire a primeira pedra quem — de vez em quando — não adie uma tarefa difícil, entediante ou

40 desagradável, e se atire a outras mais fáceis e prazerosas, porém menos importantes? Os politicamente corretos

tentam diferenciar procrastinação e preguiça? Não é. São exatamente a mesma coisa: negligenciar ou descuidar das

coisas que tem a obrigação de fazer. A preguiça não é bem-vista. Considerada um dos sete pecados capitais, ela

nos atormenta. Não deveria. Todos temos direito à preguiça. Temos o direito a procrastinar. Assim, como temos o

direito de relaxar, divagar e se “ausentar” quando a mente e o corpo pedem. Então, por que a vergonha e o drama da

45 preguiça/procrastinação? Ora, porque o procrastinador pode deixar de cumprir uma tarefa ou falhar um prazo. E isso

para a nossa sociedade da competência — e do sucesso a todo custo — é considerado um desastre. [...]

Porém, aos poucos, essa caça às bruxas procrastinadoras vem sendo suavizada. Já há estudos que

associam o ato de procrastinar à qualidade do pensamento e das decisões. Agora, admite-se que há uma

procrastinação boa e outra má. Há o procrastinador ativo que adia tarefas, mas faz outras tarefas mais importantes

50 ou mais urgentes. E há o passivo. O que não faz nada e desperdiça o tempo.

E aqui descobrimos algo maravilhoso da procrastinação: ela faz parte da excelência. Há realmente tarefas

na vida que se beneficiam da procrastinação. Às vezes, procrastinar é um indicador de que devemos mesmo

esperar. Se você é um caso extremo de procrastinação, que atrapalha a sua vida e a dos outros, você talvez precise

da ajuda. [...] Caso contrário, ela não é necessariamente má. [...]


Disponível em: https://vidasimples.co/colunistas/procrastinar-hoje-nao-amanha/. Acesso em: 22 dez. 2021. Adaptado.



O texto 3, assim como o texto 1, apresenta

A

reflexões sobre a preguiça.

B

sentidos consistentes para a preguiça.

C

objetivos definidos para a preguiça.

D

o peso da culpa pela preguiça.

E

os pontos negativos da preguiça.