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De “O pai” Adonias Filho O pai, sempre o pai, não sabíamos dizer cinco palavras sem uma...

Questão 5

De “O pai”


Adonias Filho


O pai, sempre o pai, não sabíamos dizer cinco palavras sem uma referência ao pai. Eu o via novamente, enquanto Lôncio e Jorge falavam, ali nos mangueiros dos fundos, preocupado com aquele alazão que viera no lote. Um cavalo novo, já feito, pescoço forte, peitos largos, as crinas enormes, orelhas pequenas. Inteligência ele tinha nos olhos e brabeza se percebia nas ventas.Um cavalo perverso, livre como um gavião, desses indomáveis que se contam dois em tropa de mil. A verdade eu conto: não, e desde que me entendo ainda não vi um pampa como aquele!

Veio para o desafio, sem medo dos homens, aço nas pernas, um raio na rapidez. Correndo, arrancando aos saltos, assombrava. Voltava-se, dominando o corpo, em plena carreira. Um domador como pai não o trocaria por nada deste mundo, era belo em sua força, agressivo como uma onça, o chefe que atemorizava os companheiros. Fascinou o pai, estabeleceu o desafio, nós vimos a guerra. Ainda escuto a voz de Lôncio, avisando:

- Nem Satanás, pai, monta aquele!

- Eu monto – prometeu o pai.

O pai não prometia, jurava. Uma semana inteira tentou apanhar o cavalo, todos nós ajudando, sempre em disparada com as crinas ao vento. Era um verão seco, o capim quase torrado, a terra como que petrificada. Em uma das perseguições, vendo-se acuado, investiu contra a montaria de pai. Os cascos bateram o chão, a espuma na boca, a raiva no olhar. Recuou a montaria, o pai gritando, gotejava o sangue dos baixios que as esporas rasgavam. Nós acudimos, os chicotes estalando, cercando-o. Ele rompeu o cerco, correndo sempre, a cabeça no ar.

- Bicho do inferno! – o pai exclamava.

Sentia orgulho, porém, do seu cavalo. Foi com admiração que o viu, em plena carreira, saltar as cercas. Cavalo algum o acompanharia, comendo terreno, as pernas firmes. E, já cansado de persegui-lo em pasto aberto, o pai botou as armadilhas. Para um dono dos pastos como aquele cavalo, tinha de trabalhar com a cabeça. Encompridou o laço, deixou-o de lado por uma semana, fez o esconderijo e, após fincar o mourão em buraco de quase um metro, esperou dia a dia que se aproximasse. Domador e caçador, o pai sabia como esperar. Silêncio e paciência, agora, as suas armas.

O alazão veio, distraído, e chegou muito perto. Tomou atenção sentindo o laço no pescoço e quis arrancar. O pai já rodara o couro no mourão, amarrando, e – todos nós correndo para ajudá-lo – as pernas envolvia em cordas lavadas com azeite de peixe. O bicho volteou, escavando, para cair estremecendo de ódio. Eu vi seus olhos, naquele momento, e o cavalo tinha os olhos de um homem espancado. Amarrado ficou enquanto Jorge trouxe a sela e as esporas. Quando se levantou, nós o dominando, e já com a sela, eu observei:

- É um perigo, pai.

- E por quê? – ele indagou.

- Cavalo como este só em curral fechado – eu disse:

Vi a mão de pai no cabeção da sela, o corpo erguer-se, os pés nos estribos. E escutamos seu grito:

- Larga!

O Cão não saltou logo, aquilo era o Cão, de cavalo tinha a estampa. Correu manso, distanciando-se, buscando o terreno próprio. E o pai permitiu, um domador como ele, mas permitiu. Então – e nós víamos, apreensivos, assustados – então distendeu o pescoço, o pai puxando a rédea, e saltou como se tivesse as juntas de borracha. Poucos minutos, eu me lembro. Rodou com tamanha rapidez, aos saltos, que logo o pai tonteou e um dos pés fugiu do estribo. Abaixou como caindo, empinou-se de repente, lado a lado no ar. E o pai oscilou, procurando segurar-se, era tarde. Forçou que corria, recuou depressa, o pai caiu. E contra o pai se voltou, escoiceando o corpo, o Cão perverso. Corremos para acudir, gritando, ele fugiu.

Carregamos o pai, ficou deitado no couro, com o mastruço nas costas. Mantinha os olhos abertos, não sabíamos se pensava ou não, a febre alta.


A fala das personagens revela que eram pessoas:

A

loquazes;

B

lacônicas;

C

extrovertidas;

D

medrosas;

E

vaidosas.