Iracema inquieta veio pela várzea seguindo o rastro do esposo até o tabuleiro. As sombras doces vestiam os campos quando ela chegou à beira do lago. Seus olhos viram a seta do esposo fincada no chão, o goiamum trespassado, o ramo partido, e encheram‐se de pranto.
— Ele manda que Iracema ande para trás, como o goiamum, e guarde sua lembrança, como o maracujá guarda sua flor todo o tempo, até morrer.
A filha dos tabajaras retraiu os passos lentamente, sem volver o corpo, nem tirar os olhos da seta de seu esposo, e tornou à cabana.
José de Alencar. Iracema. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1975, p. 162‐163.
José Maria de Medeiros. Iracema (1884 óleo s/tela – 167,5 x 250,2 cm Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes). In: ENCICLOPÉDIA Itaú
Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Internet: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br>.
Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978‐85‐7979‐060‐7.
Nesse trecho do romance de Alencar, a vontade da tabajara Iracema – ficar ao lado do esposo, o português Martim – está submetida à ordem do marido: que ela volte atrás e espere por ele até morrer, se necessário for. Essa cena literária simboliza o contexto histórico em que se desenvolveu o texto de Alencar. Assinale a alternativa que apresenta esse contexto e a forma como ele é simbolizado pela linguagem pictórica no quadro de Medeiros.
Trata‐se da sujeição do indígena pelo colonizador branco, simbolizada pelo movimento de recuo de Iracema, um passo atrás, diante da flecha que atravessa o goiamum, entrelaçada à flor do maracujá.
Trata‐se da adoção, por parte dos colonizadores, da cultura indígena integrada à natureza, simbolizada pelas formas naturais harmônicas que emolduram o corpo de Iracema: o mar, a vegetação, o céu e as aves.
Trata‐se da miscigenação étnica promovida pelo processo colonizador, simbolizada pelo entrelaçamento da flecha (o poder do colonizador português) com a flor de maracujá (imagem da pureza e da fidelidade da indígena Iracema).
Trata‐se da destruição das riquezas naturais da Colônia promovida pelos portugueses, simbolizada pela imagem do goiamum atravessado pela flecha e da paisagem melancólica como Iracema: a vegetação escassa, o céu desbotado, o mar sem vida.
Trata‐se da inserção definitiva do indígena na cultura europeia, simbolizada pela postura de Iracema, cujo talhe nobre e altivo, a mão sobre o peito e a atitude serena e contida frente à adversidade configuram o perfil da heroína romântica, já despida dos elementos originais da cultura indígena.