Texto II:
O Cão e o Lobo
1 Um lobo muito magro e faminto, todo pele e ossos, pôs-se um dia a filosofar sobre as
tristezas da vida. E nisso estava quando lhe surge pela frente um cão — mas um cão e tanto,
gordo, forte, de pelo fino e lustroso.
Espicaçado pela fome, o lobo teve ímpeto de
5 atirar-se a ele. A prudência, entretanto, cochichou-lhe
ao ouvido: “Cuidado! Quem se mete a lutar com um
cão desses sai perdendo”.
O lobo aproximou-se do cão com toda a
cautela e disse:
10 — Bravos! Palavra de honra que nunca vi um
cão mais gordo nem mais forte. Que pernas rijas, que
pelo macio! Vê-se que o amigo se trata...
— É verdade! — respondeu o cão. Confesso
que tenho tratamento de fidalgo. Mas, amigo lobo,
15 suponho que você pode levar a mesma boa vida que
levo.
― Como?
— Basta que abandone esse viver errante,
esses hábitos selvagens e se civilize, como eu.
20 — Explique-me lá isso por miúdo, pediu o lobo com um brilho de esperança nos olhos.
— É fácil. Eu apresento você ao meu senhor. Ele, está claro, simpatiza-se e dá a você o mesmo tratamento que dá a mim: bons ossos de galinha, nacos de carne, um canil com palha
macia. Além disso, agrados, mimos a toda hora, palmadas amigas, um nome.
— Aceito! — respondeu o lobo. Quem não deixará uma vida miserável como esta por uma de 25 regalos assim?
— Em troca disso — continuou o cão — você guardará o terreiro, não deixando entrar
ladrões nem vagabundos. Agradará ao senhor e à sua família, sacudindo a cauda e lambendo a mão de todos.
— Fechado! — resolveu o lobo e emparelhando-se com o cachorro partiu a caminho
30 da casa. Logo, porém, notou que o cachorro estava de coleira.
— Que diabo é isso que você tem no pescoço?
— É a coleira.
— E para que serve?
— Para me prenderem à corrente.
35 — Então não é livre, não vai para onde quer, como eu?
— Nem sempre. Passo às vezes vários dias preso, conforme a veneta do meu senhor. Mas
que tem isso, se a comida é boa e vem à hora certa?
O lobo entreparou, refletiu e disse:
— Sabe do que mais? Até logo! Prefiro viver magro e faminto, porém livre e dono do meu
40 focinho, a viver gordo e liso como você, mas de coleira ao pescoço. Fique-se lá com a sua gordura de escravo que eu me contento com a minha magreza de lobo livre.
E afundou no mato.
LOBATO, Monteiro, in Fábulas: O Cão e o Lobo. Brasiliense, São Paulo, 2002, p. 29
Fonte da imagem Disponível: < http://www.iejusa.com.br/mundoinfantil/fabulasbrasileiras.php>. Acesso em 04 de out. de 2019.
Comparando-se os textos I e II, percebe-se que tanto a mãe de João quanto o lobo não abrem mão de certos valores, que são, respectivamente,
conivência e determinação.
honestidade e autonomia.
delicadeza e passividade.
cumplicidade e coragem.
tolerância e ingenuidade.