Na metade de um voo estimado para 14 horas, uma passageira de 35 anos, na vigésima quarta semana de sua primeira gestação, apresenta convulsões.
A comissária pergunta se há um médico a bordo e sim, o único médico a bordo é um oftalmologista, o qual trabalhara no Setor de Emergência de um Hospital Público nas últimas 24 horas.
Por conta do trabalho prévio e também pelo medo de voar, o médico tomara duas doses de whisky antes de embarcar.
O oftalmologista então se apresenta e percebe o quadro convulsivo, afere a pressão arterial: 170 x 100 mmHg, nota o edema facial, nas mãos e nos pés da passageira e o marido, um juiz de direito, lhe informa que ao embarcar, a passageira estava com fortes dores de cabeça, visão turva e náuseas.
O oftalmologista sugere o diagnóstico de eclampsia, deita a passageira no piso do avião, em decúbito lateral esquerdo, amparada em almofadas e mantas, administra oxigênio por cateter nasal a partir de um cilindro que havia a bordo e solicita o pouso do avião no aeroporto mais próximo. Informa ao marido sobre a gravidade da situação, com risco de morte e também que não é especialista em obstetrícia.
De acordo com o Código de Ética Médica, (Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019) o oftalmologista, ao se apresentar para o atendimento:
infringiu o código, pois é vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência, já que não sendo obstetra, não é perito no tema, sendo também imprudente e assim negligenciou e desrespeitou a paciente, no caso, a passageira.
infringiu o código, pois deveria recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência, pois é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção da saúde e a seu alcance, em favor do paciente, os quais sabidamente não existem dentro de uma aeronave.
não infringiu o código, pois como trata um de seus princípios fundamentais, o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
não infringiu o código, pois o dever de prontidão e de atendimento médico é inerente à sua condição profissional, podendo inclusive cobrar seus honorários da passageira atendida ou de seus responsáveis, já que o médico não tem o dever de prontidão quando embarca na condição de passageiro, pagando por sua passagem, em voo comercial.
não infringiu o código, pois como dispõe o Art. 135 do código penal, é crime “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública”, o que foi feito ao solicitar o desvio de rota e o pouso da aeronave em aeroporto mais próximo.