O professor Adelino falou sobre o número de sílabas que “o Gonçalves” gostava de usar, das pausas, da rima consoante e da toante, ali havia o segredo da musicalidade de grandes poetas, nec pluribus impar*, falou da velha tradição da poesia portuguesa, dos árcades e que, embora o Gonçalves violasse as regras do verso e da gramática, era um poeta dos melhores. Que o Gonçalves tinha o direito de quebrar as regras do verso porque era verdadeiro poeta e o senso natural dos verdadeiros poetas vale mais que todas as regras, sejam da Versificação, sejam da gramática! Eu o ouvi, fiz-lhe perguntas e nossa conversa aconteceu. Claro, como poderia não acontecer? Ele falava do meu assunto predileto, o Gonçalves, e descobriu que quando falava no poeta, ou em poesia, eu me interessava, ele passou a levar o livro de Antonio para a minha casa, a fazer leituras em voz alta de poemas de Antonio. Embalde o professor Adelino tentava me conquistar com as poesias de Antonio que lia em voz alta, tão emocionado como se ele mesmo as houvesse escrito, ao final tecia comentários sobre a poesia, daí em diante nossos encontros eram para essas leituras, eu sentia algum pudor da situação, mas agradava-me fechar os olhos e imaginar que quem estava ali na minha frente lendo para mim era o autor das composições.
Ana Miranda. Dias e dias: romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 143.
*superior aos outros homens
No fragmento de texto precedente, extraído da obra Dias e dias, uma biografia romanceada do escritor Antonio Gonçalves Dias, Feliciana, a narradora,
é também personagem e narra os fatos unicamente a partir do seu ponto de vista, como em um monólogo interior.
apresenta os fatos da narrativa predominantemente do ponto de vista dos demais personagens, embora seja ele também um personagem.
usa o foco narrativo exclusivamente na terceira pessoa para expor os fatos de um ponto de vista imparcial, ainda que seja protagonista.
é onisciente e utiliza o discurso indireto livre para revelar os pensamentos e as falas dos demais personagens.
é também personagem e apresenta a voz dos demais personagens por meio do discurso indireto, limitando-se a relatar o que estes fizeram e disseram.